quinta-feira, 12 de abril de 2012

Sensibilidade e bom senso


Nunca duas palavras caminharam tão de costas viradas como estas. Sensibilidade desafia o bom senso e o bom senso poe rédeas na sensibilidade, trava-lhe o instinto, e disseca-lhe cada um dos sentidos que esta desperta. Gostava de ter suficiente bom senso para suplantar os desejos inconscientes da sensibilidade, mas todos sabemos que uma vírgula que mudássemos deixaria de ser nós mesmos e passaríamos a ser apenas uma bonita imagem com ténues e superficiais semelhanças aquela que sempre conhecemos e agora por capricho queremos descartar.
Na verdade é a realidade de todos nós. Consciente ou inconscientemente, todos nos deixamos tocar por estas duas palavras. Gostava de dizer que tenho o dom de expressar em palavras a sensibilidade que me inquieta, gostaria de partilhar o bom senso e beber o que me falta em momentos que devia ser dona do mesmo, e no entanto acabo dela escrava.
Nos dias quentes de verão, ou até primavera, em que sopra aquele vento suave, que é demasiado percetível para ser uma brisa, mas tão suave que a palavra vento parece por demais ríspida para o definir. Não quente, mas fresco, sem ser no entanto frio e desagradável, apenas no ponto em que sentimos a forma como nos acaricia a pele, como desperta os sentidos, como se ali, perante o mundo fizesse descaradamente amor com o corpo que deveria ser nosso. A forma tão terna como nos afasta as madeixas de cabelo dos olhos, como nos contorna os ombros num abraço tão envolvente que parece nos erguer no ar. A forma como cria á nossa volta um ambiente intimo e melodiosamente silencioso, para que possamos nele entrar deixando o tempo á porta, estático, parado e impotente. A sensibilidade está no seu auge nos momentos mais simples como que preenchendo o espaço deixado pela ausência da razão.
Quando enterro as mãos na areia quente, nos dias frios e solarengos de inverno, entre duas dunas de uma qualquer praia deserta, olhando o mar que dança conforme o ritmo da maré para meu total disfrute, e deixo que os pensamentos, perguntas e dúvidas que me levaram aquele lugar mergulhem nas suas águas profundas, sentindo os grãos de areia que me vão escorrendo entre os dedos, em mil e um beijos que carinhosamente me afagam, como um sussurro amigo, uma quietude que afasta a solidão desse momento e a transforma numa cumplicidade só nossa.
Nas alturas em que em desalento procuro um vazio onde descansar, longe de tudo mas sem sair do meu lugar, e me deito no escuro de um recanto, e bebo cada uma das palavras que tocam no meu ouvido, em músicas por outros criadas, mas que naquele instante faço minhas como se eu própria as tivesse escrito, espalhadas em notas que embalam o meu sentir, levando-o para lugares onde os sonhos nem ousam entrar, e a vida já não tem lugar. 
Quando inesperadamente alguém nos toca o braço nu, nos puxa suavemente para si, e nos dá um beijo tão suave que parece apenas um roçar dos lábios, tão longo que parece uma viagem a todos os  sentidos e demais desconhecidos, que nos toca tão fundo que mergulhamos para além dos limites da consciência.
Em todos estes lugares no tempo, onde não há tempo para começar nem tempo para terminar, onde não existe enredo nem história, apenas um sentir tão fundo e ao mesmo tempo tão efémero que tantas vezes acabamos por desvalorizar, colocando-o no mais recôndito do nosso pensamento, é onde a sensibilidade rainha, pega na alma sua serva, e desce a escadaria da torre dos sentidos, desprovida de bom senso, e sem as amarras da razão, e nos leva, sem que possamos resistir, para aquele lugar onde nada mais cabe, nem um suspiro, tão fundo, que sentimos que não conseguimos respirar. Poderia até pensar que tanta sensibilidade era apenas defeito meu, mas sei que não, sei que existe um desalento perante a falta de sensibilidade na imagem de vida supostamente perfeita, que existe uma porta que parece fechada mas que está apenas encostada, existe a consciência dum arrastar de insensibilidade como se dum conceito supérfluo se tratasse, quando a mesma seria como pintar a aguarela um quadro com os contornos perfeitos, mas onde os tons se foram esbatendo ao longo do tempo tornando quase impercebível as cores originais.
Porquê arranjar justificações para esta falta, com o tão maltratado tempo, atribui-se culpas ao tempo como se dele dependesse tudo. O tempo, como sempre se disse, vale pelo que fazemos dele, não é pouco nem muito é apenas tão importante quanto o nome que lhe damos. Não existe tempo, existe momentos que se entrelaçam uns nos outros e que percorremos, passamos ou disfrutamos acompanhados de um sol ou uma lua que os torna mais ou menos luminosos, mas não por isso mais ou menos sentidos. Quem disse que existe um tempo para amar, um tempo para parar, um tempo para ser feliz, e um tempo para ser irreverente. Quem disse que existe um tempo para aprender e um tempo para errar, um tempo para mudar e um tempo para ter tempo?
Resguardamo-nos da inquietude da sensibilidade, agarrando-nos a um tempo que teimamos em calendarizar, a um bom senso que nos serve de guia espiritual, e assim caminhamos cada vez para mais longe daquilo que deveríamos ser, apenas e somente humanos…

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