terça-feira, 6 de março de 2012


Quando olho ao longe parece-me que não há forma de passar para a outra margem, e perdida com o olhar no outro lado, nem me apercebo do que está nesta margem. Caminho ainda assim, e olhando bem mais perto para o pedaço de terra onde assento os pés, vejo uma pedra gasta ligeiramente colocada ao lado do trilho que me parece ser o caminho. Ao desviar-me para o lado, reparo noutra pedra, não junta, nem sequer alinhada, mas de certa forma igualmente gasta, quem sabe por outros tantos pés que a pisaram. E assim vou encontrando pedras , umas mais gastas que outras, e sempre menos gastas que as anteriores. Talvez nem todos tenham ousado ir apenas caminhando uma pedra de cada vez. Não volto a levantar a cabeça, tão absorta estou nesta descoberta de uma pedra aqui e  outra ali, até que não vejo mais pedras. Levanto os olhos e apercebo-me que estou na outra margem. 
Não sei se pela descoberta da evidência ou se pelo entusiasmo do caminho, mas penso que mais pelo último, descubro que a margem que me parecia tão incontornável, agora vista ao longe não é mais que uma linha ao fundo do horizonte. Descubro que nos pés descalços trago marcas e pequenos arranhões que só agora olhando bem fundo consigo sentir. Trago dentro de mim um aroma suave, que não consigo distinguir, uma mistura de cheiros que conheço e de outros que quero descobrir. Sou a mesma de antes, assim ao longe, mas decerto quem consiga chegar bem perto conseguirá ver bem fundo que estou tão diferente. Limpei os cantos à alma, varri as memorias sujas e gastas, e deixei espaço para quem queira entrar. Não tenho convites á porta, nem sequer adornei a entrada, mas o brilho inconfundível da loucura de viver que saltita pelo espaço agora amplo, não passará despercebido decerto a quem traga o peito aberto.
Alguém atrás de mim, que não conheço, avisa-me baixinho "Não tropece!", peço que repita e a voz ainda que esbatida insiste "Não tropece...mas se tropeçar levante-se!" Sorrio, perante o aviso algo inusitado. Sorrio, do sorriso que esboço, e por momentos encho um pedaço de céu com fagulhas de felicidade.

As pedras do meu caminho não são trilhos
as pedras do meu caminho não são quadradas nem redondas
são apenas pedras,  apenas duras, frias e singelas
As pedras do meu caminho são na verdade o caminho
e vistas assim mais perto são suaves e acariciam os meus passos
são quentes no abraço com que me acolhem
e sendo tão simples são as mais belas pedras que conheço
As pedras do meu caminho são marcos
são viagens
são desafios de coragem
são glórias de conquistas
e não sendo muitas nem poucas
são as suficientes 
para me levar onde quero estar
ali, do outro lado da linha
de volta ao meu lugar



Sem comentários:

Enviar um comentário