Nunca duas palavras caminharam tão de
costas viradas como estas. Sensibilidade desafia o bom senso e o bom senso poe
rédeas na sensibilidade, trava-lhe o instinto, e disseca-lhe cada um dos
sentidos que esta desperta. Gostava de ter suficiente bom senso para suplantar
os desejos inconscientes da sensibilidade, mas todos sabemos que uma vírgula
que mudássemos deixaria de ser nós mesmos e passaríamos a ser apenas uma bonita
imagem com ténues e superficiais semelhanças aquela que sempre conhecemos e
agora por capricho queremos descartar.
Na verdade é a realidade de todos nós. Consciente ou
inconscientemente, todos nos deixamos tocar por estas duas palavras. Gostava de
dizer que tenho o dom de expressar em palavras a sensibilidade que me inquieta,
gostaria de partilhar o bom senso e beber o que me falta em momentos que devia
ser dona do mesmo, e no entanto acabo dela escrava.
Nos dias quentes de verão, ou até primavera, em que sopra
aquele vento suave, que é demasiado percetível para ser uma brisa, mas tão
suave que a palavra vento parece por demais ríspida para o definir. Não quente,
mas fresco, sem ser no entanto frio e desagradável, apenas no ponto em que
sentimos a forma como nos acaricia a pele, como desperta os sentidos, como se
ali, perante o mundo fizesse descaradamente amor com o corpo que deveria ser
nosso. A forma tão terna como nos afasta as madeixas de cabelo dos olhos, como
nos contorna os ombros num abraço tão envolvente que parece nos erguer no ar. A
forma como cria á nossa volta um ambiente intimo e melodiosamente silencioso,
para que possamos nele entrar deixando o tempo á porta, estático, parado e
impotente. A sensibilidade está no seu auge nos momentos mais simples como que
preenchendo o espaço deixado pela ausência da razão.
Quando enterro as mãos na areia quente, nos dias frios e
solarengos de inverno, entre duas dunas de uma qualquer praia deserta, olhando
o mar que dança conforme o ritmo da maré para meu total disfrute, e deixo que
os pensamentos, perguntas e dúvidas que me levaram aquele lugar mergulhem nas
suas águas profundas, sentindo os grãos de areia que me vão escorrendo entre os
dedos, em mil e um beijos que carinhosamente me afagam, como um sussurro amigo,
uma quietude que afasta a solidão desse momento e a transforma numa
cumplicidade só nossa.
Nas alturas em que em desalento procuro um vazio onde
descansar, longe de tudo mas sem sair do meu lugar, e me deito no escuro de um
recanto, e bebo cada uma das palavras que tocam no meu ouvido, em músicas por
outros criadas, mas que naquele instante faço minhas como se eu própria as
tivesse escrito, espalhadas em notas que embalam o meu sentir, levando-o para
lugares onde os sonhos nem ousam entrar, e a vida já não tem lugar.
Quando inesperadamente alguém nos toca o braço nu, nos
puxa suavemente para si, e nos dá um beijo tão suave que parece apenas um roçar
dos lábios, tão longo que parece uma viagem a todos os sentidos e demais desconhecidos, que nos toca
tão fundo que mergulhamos para além dos limites da consciência.
Em todos estes lugares no tempo, onde não há tempo para
começar nem tempo para terminar, onde não existe enredo nem história, apenas um
sentir tão fundo e ao mesmo tempo tão efémero que tantas vezes acabamos por
desvalorizar, colocando-o no mais recôndito do nosso pensamento, é onde a
sensibilidade rainha, pega na alma sua serva, e desce a escadaria da torre dos
sentidos, desprovida de bom senso, e sem as amarras da razão, e nos leva, sem
que possamos resistir, para aquele lugar onde nada mais cabe, nem um suspiro,
tão fundo, que sentimos que não conseguimos respirar. Poderia até pensar que
tanta sensibilidade era apenas defeito meu, mas sei que não, sei que existe um
desalento perante a falta de sensibilidade na imagem de vida supostamente
perfeita, que existe uma porta que parece fechada mas que está apenas
encostada, existe a consciência dum arrastar de insensibilidade como se dum
conceito supérfluo se tratasse, quando a mesma seria como pintar a aguarela um
quadro com os contornos perfeitos, mas onde os tons se foram esbatendo ao longo
do tempo tornando quase impercebível as cores originais.
Porquê arranjar justificações para esta falta, com o tão
maltratado tempo, atribui-se culpas ao tempo como se dele dependesse tudo. O
tempo, como sempre se disse, vale pelo que fazemos dele, não é pouco nem muito
é apenas tão importante quanto o nome que lhe damos. Não existe tempo, existe
momentos que se entrelaçam uns nos outros e que percorremos, passamos ou
disfrutamos acompanhados de um sol ou uma lua que os torna mais ou menos
luminosos, mas não por isso mais ou menos sentidos. Quem disse que existe um
tempo para amar, um tempo para parar, um tempo para ser feliz, e um tempo para
ser irreverente. Quem disse que existe um tempo para aprender e um tempo para
errar, um tempo para mudar e um tempo para ter tempo?
Resguardamo-nos da inquietude da sensibilidade,
agarrando-nos a um tempo que teimamos em calendarizar, a um bom senso que nos
serve de guia espiritual, e assim caminhamos cada vez para mais longe daquilo
que deveríamos ser, apenas e somente humanos…
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